"Salazar contribuiu para travar a Monarquia"

04-09-2010 13:18

Salazar Contribuiu para travar a Monarquia

 

 

«se a I República não marcou um novo começo para Portugal e se o Estado Novo guardou muito da I República, parece-me lógico partir do princípio que o corte entre Estado Novo e o regime atual não foi total. »Filipe Ribeiro de menezes

 

A restauração da monarquia em Portugal durante o Estado Novo foi travada pela divisão dos monárquicos, pelas “muitas correntes ideológicas” a que o regime tinha de atender mas também pelo próprio Salazar, que “não podia admitir tal coisa”. A tese é defendida, em declarações à agência Lusa, pelo historiador português Filipe Ribeiro de Meneses, autor da obra “Salazar”, a mais recente biografia do político português António Oliveira Salazar, cuja edição portuguesa chegará às livrarias na próxima semana. Para o investigador da University of Ireland, a tese de que foi Salazar quem comprometeu a possibilidade de restauração da monarquia é alimentada pela ideia de “que Portugal poderia ter seguido o exemplo espanhol”. “Em Espanha, Francisco Franco pôde – muito lentamente, e controlando de perto o ritmo dos acontecimentos – restaurar a monarquia. Fê-lo, porém, após a guerra civil de Espanha, durante a qual o republicanismo espanhol foi destroçado.

 

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historiador português Filipe Ribeiro de Meneses, autor da obra “Salazar”

 

 

 Franco tinha apenas de gerir a oposição de certos elementos falangistas à ideia monárquica e controlar o desejo de protagonismo do herdeiro ao trono, o príncipe D. Juan”, disse. No caso de Portugal, porém, “a situação era bem diferente”. “O Estado Novo, saído da Ditadura Militar iniciada em 1926, con- tinha – como a própria Ditadura – muitas correntes ideológicas. Os monárquicos (também eles divididos) eram uma fação importante, mas minoritária. Salazar precisava de manter a ilusão da possibilidade do regresso da monarquia, através de gestos simbólicos”, referiu. O regresso dos restos mortais de D. Manuel II e, mais tarde, de D. Miguel, a importância prestada à família de D. Duarte Nuno a partir dos Centenários de 1940 foram gestos destinados a “garantir o apoio” da fação monárquica. Mas Salazar “não podia ferir diretamente a opinião republicana maioritária” – “em Espanha o Exército era monárquico; em Portugal não o era”, observou.

 

 

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 A urna com os restos mortais de D. Manuel II em Lisboa, a passar á frente da comitiva oficial (onde se pode ver Salazar), a 2 de Agosto de 1933

 

 

“Por outras palavras, a restauração da monarquia não estava ao alcance de Salazar, mesmo se a quisesse efetuar – mas ele não podia admitir tal coisa”, comentou.

 

«O interesse em Salazar e no Estado Novo, que é enorme, não deve ser confundido com saudade do regime; é sobretudo o desejo natural de entender as especificidades do caso português, de tentar entender por que somos como somos (embora me pareça, após ter escrito o livro, que temos a tendência de exagerar o papel de Salazar neste processo: as nossas qualidades e os nossos defeitos, assim como alguns dos problemas que se nos atravessam pela frente são bem anteriores ao Estado Novo). Porém, nem todos os que tentam ir ao encontro deste interesse sobre o passado o fazem isentos de fins políticos. Quero dizer com isto que a memória de Salazar e algumas das suas características pessoais (o cuidado com os dinheiros públicos, por exemplo) são usadas como armas de arremesso ideológicas contra a "situação" atual. Quarenta anos depois da sua morte, pouco parece restar da obra de Salazar, porque Portugal seguiu um caminho bem diferente do por ele desejado. Mas se a I República não marcou um novo começo para Portugal e se o Estado Novo guardou muito da I República, parece-me lógico partir do princípio que o corte entre Estado Novo e o regime atual não foi total. »

 

Ao longo de cerca de 800 páginas, o historiador português retrata outros aspetos da vida do homem cuja figura se confunde com o próprio Estado Novo. Da investigação, que foi lançada no final do ano passado nos Estados Unidos em primeira mão, resulta ainda a não existência da “menor indicação de que Salazar tenha hesitado quanto ao caminho a seguir em relação ao Ultramar”. “Houve reformas administrativas, claro está, abriram-se as colónias ao investimento estrangeiro e deu-se a criação do Espaço Económico Português: mas a palavra de ordem era resistir. Havia condições, julgou Salazar, para isso: podia-se incluir a guerra colonial no contexto da Guerra Fria, desenvolvendo- se assim um discurso de defesa do Mundo Ocidental, mesmo que contra a vontade deste”, argumentou o historiador. A “posição de força” em que o regime estava foi, no entanto, sobrestimada por Salazar, “ignorando as consequências de um possível (ou provável, no entender do resto do mundo) fracasso”. O investigador português considerou ainda que Salazar se absteve de apontar um sucessor porque a escolha “de um favorito” apontaria “o fim da sua carreira política”. “Mesmo assim o Estado Novo resiste, e tem estabilidade suficiente para resolver o problema da sucessão, escolhendo-se alguém tido co- mo o mais capaz de todos os candidatos”, apontou Filipe de Meneses, considerando que nenhum sucessor teria conseguido fazer evoluir um regime que perdeu a capacidade de se adaptar e “cristalizou” - vulnerabilizando-se - com a guerra colonial.

 

Fonte (parcial):

Diário Cidade de 4 de Setembro de 2010

 

Outros Links:

"Salazar e a Questão Monárquica"

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