"O Portuguez": um jornal republicano clandestino

20-06-2010 22:38

No primeiro quartel do século XIX


"O Portuguez": um jornal republicano clandestino


Maria Helena Carvalho dos Santos


«Somos chegados a uma época que será, mais que todas, sempre famosa na História, pelos acontecimentos extraordinários e revoluções do tempo.., O império de Bonaparte acabou porque se mostrou contrário aos direitos dos homens e à liberdade dos povos... desapareceu porque era oposto ao espirito público do nosso século, que é hoje fundado nos direitos da razão e da natureza... e daqui nascer o que hoje chamamos espírito público, árbitro supremo da moral dos povos e primeiro móvel das grandes revoluções.»
«O Portuguez»,
Vol. I, Introdução, p. 7

 

Todos os historiadores do Portugal contemporâneo fazem remontar à imprensa periódica editada em Londres a partir de 1807 (1) a difusão das ideias liberais (2) em Portugal.

Apesar da insistência desta referência, poucos são os trabalhos que estudaram em profundidade esses jornais, permanecendo ainda na obscuridade o que foi a sua efectiva contribuição para a fundamentação teórica e institucionalização do liberalismo português. Partindo desta questão — o que foi o liberalismo português — e tentando apenas estudar um dos fios condutores que levam à renovação de ideias em Portugal, encontramo-nos perante as problemáticas desenvolvidas no peródico O Portuguez, editado em Londres de 1814 a 1822 e de 1823 a 1826, por João Bernardo da Rocha Loureiro.
Em 1813, escolhendo a liberdade, João Bernardo da Rocha Loureiro parte para o exílio. Em 1814, de Londres, «sob a protecção de um povo livre», ao abrigo de perseguições, escrevendo sem censor, dirige-se aos portugueses.
Parece, pois, necessário encontrar no Portuguez as ideias gerais, de relevo fortemente marcado, que João Bernardo da Rocha desenvolve em todas as circunstâncias, não importa perante que acontecimentos. Esse sistema de ideias defendidas pelo Portuguez tem um objectivo, embora possa párecer que existe, por vezes, um desfazamen-to entre o que as palavras dizem e o que pretendem atingir.
A nossa proposta é analisar a profundidade e a extensão do pensamento político de João Bernardo e, simultaneamente, estudar a difusão das ideias, numa identificação com a prática social. A nossa dificuldade — que terá sido, talvez, a do jornalista — é a de perceber até que ponto a função de uma ideia coincide com o seu bom acolhimento.


Esta questão, e relativamente ao Portuguez, deve ser equacionada a dois níveis:
l.° — Em que medida as ideias ou o pensamento de João Bernardo influíram nos acontecimentos ?
2.° — Em que medida podemos encontrar a génese de novas ideias no desenvolvimento do seu pensamento?
Nenhuma das respostas é fácil.


A leitura do Portuguez só parece possível, isto é, útil, se for apoiada a par e passo pelas muletas de que João Bernardo se socorria, já que as suas ideias são as que se desenvolveram ao longo do século XVIII e influíram nas «revoluções do tempo».
Apoiando-se nesse movimento geral das ideias, João Bernardo faz a pedagogia da revolução e faz a defesa da legalidade revolucionária. Ao mesmo tempo, desfundamenta o poder real e o antigo regime. Em 1820, ao deflagrar a revolução no Porto, João Bernardo pode ter a convicção de que foi entendida a sua proposta de ruptura com o antigo regime e admitir a sua enorme contribuição para a formação de uma opinião pública. O jornalismo de Londres tinha, necessariamente, contribuído e influído nos acontecimentos revolucionários em Portugal.
Para tanto, João Bernardo socorrera-se das grandes correntes de pensamento que se desenvolviam no quadro europeu e americano e se propagavam de Moscovo a Cádis, embora a vários níveis. João Bernardo socorrera-se de toda a sorte de argumentos e partindo de uma análise da realidade económica, administrativa e política, revelando, criticando e interpretando o descontentamento generalizado, pudera fazer visionar aos seus leitores uma outra prática e diferen-




 

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