SAR D. Duarte em entrevista ao Semanário Grande Porto, a 5 de Março de 2010

01-08-2010 00:13



“RONALD REAGAN SUGERIU QUE CANDIDATASSE Á PRESIDÊNCIA

DA REPÚBLICA”

 

O herdeiro ao trono recorda os tempos em que viveu em Coimbrões, Gaia, e os seus estudos no Liceu Alexandre Herculano, no Porto

 

DOM DUARTE PIO

Duque de Bragança

“Já pensei ser candidato à Presidência da República”

 

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É o herdeiro ao trono de Portugal, e acha que um rei é quem melhor defende a República. Não vota nas presidenciais, mas a conselho de Ronald Reagan já pensou candidatar-se a Belém...

 

ANA CARIDADE .-

 

ANTONSORÍLOIFOTOSI

 

(5 de Março de 2010)

 

Este ano comemora-se o centenário da repúbli­ca. Como é que encara

 

Acho bem que se come­more, acho bem que se ho­menageiem as pessoas que estavam dispostas a dar a vida pelos seus ideais, mas não acho bem que se gastem dez milhões de euros para celebrar uma data em que, do fundo, correu tudo mal. A I Republica foi desastro­sa, como toda a gente sabe. De tal forma que, quando os mílitares derrubaram a I Re­pública, o pais todo aplau­Diu. A II República, tecnicamente, terá sido melhor, mas não havia democracia. De­pois houve a terceira revo­lução militar, o 25 de Abril e finalmente chegámos a uma situação igual à que estáva­mos antes de 1910. A nossa constituição é semelhante, o nosso chefe de Estado ac­tual tem mais ou menos os mesmos poderes que tinha o Rei. Perdemos 100 anos. Se reparar, os militares do 25 de Abril não quiseram nenhuma identificação com a I República, e convidaram o PPM para fazer parte do Go­verno. Queriam mostrar cla­ramente que era uma Repu­blica nova, com novos ideais, e que não tinha nada a ver com, como eles diziam, os caixeiros bigodudos da al­tura da I República.

 

Têm-se levantado vá­rias vozes a dizerem que o busto da República deve­ria ser alterado e que até a letra do Hino Nacional é ultrapassada e sem sen­tido. Acha que os símbo­los nacionais são altera­dos ou que podem ser al­terados?

 

 

Aquele busto da República com os peitos à mostra passa uma imagem um bocado es­tranha. Parece passar a men­sagem de que os republica­nos querem todos mamar... Não faz muito sentido. Acho que o busto deveria ser mais recatado. Aliás, acho a exis­tência do busto da República um absurdo. Se a Republica é o bem comum, é a indepen­dência dos poderes, é a de­mocracia, então não é uma forma de chefia de Estado e tanto funciona com um rei como com um presidente.

O Hino Nacional podia ter uma letra mais bonita, O problema é que finalmente já toda a gente o sabe de cor, graças ao Scolari, e se mudar agora corremos o risco de serem precisos muitos anos para as pessoas o voltarem a decorar.

 

Acha que os portugue­ses já absorveram em de­finitivo o regime republi­cano ou acha que há ainda uma certa nostalgia pela monarquia?

 

Há nostalgia por parte de muitas pessoas. Tanto os republicanos como os mo­nárquicos fantasiam sobre o que seria uma monarquia actual. Mas as pessoas mais lúcidas comparam o desen­volvimento humano e eco­nómico dos regimes que têm reis e rainhas com a nossa República e não há dúvida que os países escandinavos,

a Holanda, a Bélgica e até a própria Espanha são muito mais desenvolvidos do que nós, até do ponto de vista democrático. Não sei muito bem o que se está a celebrar hoje, quando a verdade é que nós passamos de uma situ­ação de desenvolvimento médio na Europa - em 1900 - para o último lugar na ta­bela de classificação do desenvolvimento na Europa, e ainda por cima à beira da falência.

 

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De que forma é que a monarquia ajudaria a combater os males do

pais?

 

Se olhar para as monar­quias contemporâneas da Europa, e fora da Europa, no Japão, por exemplo, verá que o rei e a rainha ajudam à estabilidade. Servem de ele­mento de ligação entre os poéticos. O rei colabora com os governos e nunca está em conflito, ao contrário do que acontece na República, onde frequentemente governo e chefe de Estado estão em conflito. O rei é um árbitro isento* Não ponho em cau­sa a isenção do nosso Presi­dente da República, só que como pertence a um partido político, muita gente tem dú­vidas, tal como tinha dúvi­das em relação à isenção do presidente Jorge Sampaio. O último presidente verda­deiramente isento que hou­ve em Portugal foi o general Ramalho Eanes. A partir daí foram todos dirigentes par­tidários. Há duas maiorias opostas? Servem para quê? O presidente não está ali para governar, devia estar ali para representar todos os portugueses e dar uma imagem da cultura e perenidade do país. Nesse aspecto o rei consegue mais facilmente desempenhar essas funções do que um Presidente.

Como disse o primeiro-ministro sueco “nós somos uma República e o Rei é o melhor defensor da nossa República”.Essa é hoje a atitude das monarquias socialistas do norte da Europa.

 

Chegou a dizer que não se sente rei de Portugal, mas que se sente rei dos portugueses…

 

Na verdade, hoje em dia o Chefe de Estado de Portugal é o professor cavaco Silva, mas há uma posição que se pode dizer espiritual, histórica e cultural,  em que para muitos portugueses eu sou Rei.Não sei se é a maioria ou uma minoria, não sei quantos são.

 

Mas sente que tem essa responsabilidade.

 

Sinto. Por isso é que te­nho dedicado a minha vida ao serviço de Portugal, des­corando muito da minha vida privada e económica. Tenho trabalhado muito em prol da Lusofonia, acho que é uma das coisas de que o chefe de Estado português deveria ocupar-se. Deveria manter a coesão entre os países lusófonos, por nosso próprio interesse. Não sa­bemos corno é que a União Europeia vai funcionar, e se

as coisas não correrem mui­to bem sempre temos uma alternativa. Agora que esta­mos no clube dos ricos, não podemos desprezar os ir­mãos pobres. Por outro lado, o Brasil é um dos países com mais sucesso hoje em dia e se perdermos o balanço do Brasil a língua portuguesa vai perder importância.

 

Parece-lhe que os mo­nárquicos são um grupo quase secreto?

 

Isso é verdade. Segundo as sondagens há cerca de 28 ou 29 por cento dos portu­gueses que dizem que um rei seria melhor do que um presidente. Esses são os que eu considero monárquicos. Agora, não quer dizer que queiram mudar o regime, ou que queiram uma mudança muito grande. Querem man­ter as coisas como estão, mas acham que estariam melhor com um rei

 

Acha que seria a altura de fazer-se um referendo em Portugal sobre o regi­me político?

 

Neste momento é proibi­do pela Constituição.

 

Mas acha que isso devia ser alterado?

 

Sim. Porque isto é uma democracia imperfeita e li­mitativa que diz que os por­tugueses são incapazes de escolher o regime político. A Causa Real apresentou  uma proposta há uns anos, aquando da última refor­ma da Constituição» que sugeria que o texto que diz que "é inalterável a forma republicana do governo", passasse a dizer "é inalte­rável a forma democrática do governo". Pessoas como o presidente Mário Soares ou o antigo ministro Almei­da Santos, não se importa­vam nada de serem gover­nados por uma monarquia democrática, porque o que lhes interessa é a democra­cia. A forma de chefia de Estado é secundária para eles.

Essas pessoas são republi­canas por uma questão teó­rica e cultural. Acham que a República simboliza mais completamente a democra­cia, visto que o cargo de che­fe de Estado é sujeito a elei­ção. Só que já se percebeu que não é assim. Tem que se ser apoiado por partidos, tem que se ter muito dinhei­ro. É muito difícil um inde­pendente conseguir chegar a chefe de Estado. É possível, mas até agora nunca acon­teceu.

 

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O senhor não vota nas presidenciais.

 

Não, não voto.

 

Mas não chegou a pon­derar candidatar-se à Pre­sidência da República?

O presidente Ronald Reagan deu-me essa sugestão,

só que todas as pessoas que eu consultei díziam-me que dificilmente isso seria toma­do a sério porque era uma contradição entre aquilo que eu defendia e aquilo que iria fazer. Encontrei muito pou­cos apoios.

 

Também achou que era uma contradição ou esta­va na dúvida?

 

Eu estava na dúvida. No fundo era uma maneira de poder falar ao Pais e de ser ouvido. Mas como as opini­ões contrárias no meu con­selho eram muito maiores do que as favoráveis, decidi não avançar.

 

Sente-se tentado nas próximas eleições a vo­tar em Fernando Nobre, muitas vezes associado aos ideais monárquicos?

 

O Fernando Nobre é meu amigo pessoal há muitos anos e colaboramos em várias missões. Na questão da chefia de Estado, ele diz o que qualquer pessoa inteli­gente sabe, que as repúbli­cas que têm reis são as me­lhores. Mas eu não voto nas presidenciais e não participo em nenhuma campanha.

Gosto de todos os candi­datos, O Manuel Alegre fez a apresentação da minha bio­grafia, o professor Cavaco Silva tem sido amabilíssimo. Seria uma posição muito di­fícil para mim se tivesse que escolher.

 

 

"Penso sempre que posso estar a ser escutado"

 

A degradação da vida política deve-se à "falta de exigência”

 

 

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Como é que olha para o estado da democracia em Portugal, com estes escandalos todos a envolver a classe política?

 

Em primeiro lugar, o grande problema está na educação do raciocínio lógico.Se nós actuássemos logicamente e aprendéssemos a pensar logicamente tomaríamos decisões de acordo com os nossos interesses e não de acordo com o sentimento e as emoções.Deixariamos de votar neste ou naquele partido por questões emocionais e deixariamos de ouvir frases como "não vou votar porque estou zangado com os políticos". Cerca de 40 por cento dos portugueses não votaram nas últimas eleições. Isto mostra que há uma enorme falha no raciocínio lógico e essa falha está na origem dos comportamentos pou­co cívicos, das incoerências com que vivemos e de não exigirmos dos nossos elei­tos que cumpram com as suas obrigações.

 

Tem acompanhado de perto a questão das es­cutas?

 

Acho que ninguém que está na vida política devia preocupar-se com escu­tas, porque quem está num cargo político de­via pautar a sua vida de tal modo que não deveria preocupar-se em ser escu­tado. Claro que há segre­dos de Estado, e isso tem que ser conservado. Mas também não se fala de se­gredos de Estado ao telefo­ne...

Seria preferível que as fi­guras políticas tivessem um pouco mais de elegância, até para servir de exemplo.

Mas o mais importante é o exemplo ético e moral.

 

Alguma vez pensou na possibilidade de estar a ser escutado?

 

Parto sempre do princí­pio de que posso estar a ser escutado.

 

Isso preocupa-o?

 

Não, nada. Preocupava-me se tivesse microfo­nes em casa e se escutas­sem conversas em família. Isso achava inadmissível. Mas não me incomodava nada que se conhecessem as conversas telefónicas.

 

As consequências so­ciais desta recessão que atravessamos preocu­pam-no?

 

Claro que sim. Acho que chegou a altura de rever-mos todo o nosso modelo de desenvolvimento. Será que o melhor é fazer auto-estradas e urbanizações por todo o Lado, ou será melhor valorizarmos aquilo que temos de bom, as indústrias portuguesas competitivas, uma agricultura auto-sustcntável...

 

Sempre defendeu um grande investimento na agricultura.

 

A reserva agrícola na­cional, que foi estabelecida quando Goncalo RibeiroTeles era ministro, foi dei­xada cair por um secretá­rio de Estado que conside­rava ser um entrave ao desenvolvimento. Isso mostra uma ignorância muito gran­de. Boa parte dessa reserva agrícola está agora ocupada por prédios. Há terras muito boas em Portugal que foram urbanizadas. Isso é um ab­surdo! Não estamos livres de ha ver uma crise alimentar internacional…

 

Acha que os portu­gueses são pouco exi­gentes com os seus governantes?

 

Os portugueses são mui­to clubistas. Este é o meu clube e apoio, sem querer saber se estão a jogar bem ou mal. Isso é muito bonito no futebol, mas na política não pode ser.Estamos a de­cidir como é que vamos ser  governados.

 

É a favor da regionalização?

 

Depende se for para dar mais lugares políticos ,sou contra. Se é para dar mais poder de decisão a nível  regional, então pode ser muito interessante,.Nomeadamente se for feita com regiões naturais e verdadeiras. As regiões que mais correspondem às realidades sociais e culturais em Portugal são as dioceses, mais do que os distritos.É preciso que a regionalização não seja uma fonte de despesas e de criação de lugares sem significado.

 

 

 

"Estudei no liceu Alexandre Herculano"

Viveu cerca de dez anos em Vila Nova de Gaia. frequentou a escola no Porto, e ainda guarda amigos desses tempos

 

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Pela sua preparação, sente-se amargurado por não ser mais ouvido?

 

Tenho pena que ninguém tenha ligado a coisas que eu propus em alturas oportu­nas. Tinha proposto uma solucão para o Ultramar, pro­pus uma solução para Timor. Ninguém ouviu e deu os de­sastres que todos conhecem. Nos últimos anos tenho-me preocupado com as ques­tões do ambiente, protecção da paisagem integrada, com a nossa agricultura. Estamos a ver as consequências do desprezo para com as questôes do ambiente. A natureza vinga-se

 

Tem a preocupação de educar o seu filho primo­génito no sentido de ele poder vir a ocupar o lugar de chefe de Estado?

 

Educo-os a todos. Todos estarão disponíveis para servir o País seja em que cargo for. Todos eles estão a de­senvolver bastante o espírito de responsabilidade. É uma preocupação minha e da minha mulher.

 

Quais são os seus rendimentos?

 

Tenho alguns prédios em Lísboa. com rendas muito baixas. A minha mãe tinha uma propriedade muito boa no Brasil e de vez em quando recebo dividendos. Por vezes dou conselhos e ajudo empresas interessadas em fazer negócios internacionais, nomeadamente com o mundo Árabe, Médio-Oriente e com a Ásia.

Tenho uma vida com baixo custo, fui educado a pensar que mesmo que se tenha muito dinheiro,       tem que se ser económico, não se pode desperdiçar. O meu pai, quando vinha de Gaia para o Porto, usava o eléctrico por­que achava que vir de carro era um desperdício de gaso­lina. Quando vou de Sintra para Lisboa uso o comboio para não poluir. Temos o mesmo carro desde que me foi oferecido pela Rover, na altura do casamento. E tenho um carro feito na Auto-Europa, que também já tem uma data de anos.

 

 

Nesta sociedade consumista não deve ser fácil educar os filhos com valores, como a poupança…

 

Percebi há muito tempo que aquilo que dizemos tem muito pouca importância. O que os filhos acabam por aceitar é aquilo que faze­mos, o nosso exemplo, isso é que tem efeito. Às vezes fico surpreendido, porque os meus filhos falam-me de coisas que eu disse e que eu fiz, das quais já nem me lem­bro. Mas eles não se esque­cem.

Tentamos fazer férias em Portugal e nos países lusófonos, para eles terem orgulho no país que têm e na sua língua. Gostava de os levar a Timor, nas férias grandes.

 

É uma viagem longa...

 

É, mas vamos fazer várias coisas pelo caminho. A ideia é passar pela Tailândia, por Malaca, pelas Molucas, por vários sítios.

 

Quais são as ligações que a Casa de Bragança tem ao Norte?

 

Bom, a sede da família era em Vila Viçosa. Chama-se Casa de Bragança porque quando o primeiro Duque de Bragança casou com a fi­lha de Nun’Àlvares foi feito duque de Bragança para dar apoio à cidade que estava ali no extremo Norte. Mas que eu saiba a família nunca teve nenhuma propriedade em Bragança.

 

É verdade que em criança viveu em Gaia?

 

Sim, em Coimbrões, na Quinta da Belavista. Vivi lá desde que voltámos para Portugal, tinha eu cinco anos, até aos meus 15 ou 16. Brincava com as crianças de lá, fiquei com alguns amigos. Fre­quentei o liceu Alexan­dre Herculano, no Porto, até que a família se mudou para São Marcos, perto de Coimbra, e eu fui para o Co­légio Militar. Aprendi a interessar-me por jornais no Porto, com[o] O Primeiro de Janeiro, e mais tarde pelo República, atra­vés da minha tia.

É sempre um prazer vol­tar ao Porto. Ainda no ou­tro dia estive nas festas de Santa Marinha, em Gaia. e encontrei várias pessoas conhecidas. Às vezes encon­tro alguns amigos da altura, ciganos que costumavam ir a nossa casa, e que ago­ra vivem em Vila Franca de Xira.

Só não venho mais vezes ao Norte porque são três horas de comboio. Quando houver TGV se calhar venho mais vezes (risos)

 

fonte: Semanário "Grande Porto" no site "Combatentes por Portugal"

 

 

 

 

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